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Ambiente de trabalho inadequado provoca transtornos de saúde, depressão e ansiedade

Produzida por:

Jéssica Fernandes 
Julisandy Ferreira e

Monique Faria

Dados de doenças no trabalho

Saúde no trabalho em números

Cartaz ilustrativo de doenças no trabalho

Cartaz de autoria da GEAP. Foto: Jéssica Fernandes

Transtornos mentais e comportamentais correspondem a 9% da concessão de auxílio-doença no Brasil, segundo informações do 1º Boletim Quadrimestral sobre benefícios por incapacidade, da Secretaria de Previdência. De acordo com o Boletim, a depressão é a principal causa do pagamento de subsídio independente de acidentes de trabalho que corresponde a 30,76% do total.

Dentre as doenças causadas ou agravadas pelo ambiente de trabalho, está a Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional, que tem como características principais a exaustão, dores de cabeça e musculares.  De acordo com a publicação realizada pela International Stress Management Association (Isma), 30% dos mais de 100 milhões de trabalhadores brasileiros sofrem com a doença.

Infográfico mostra o índice de motivos que pode causar doenças no trabalho
Gráfico por: Monique Faria
Primeiros casos

Depressão e ansiedade

 

A assistente de sala, Anelize Amaral Matos teve problemas emocionais graves devido ao ambiente de trabalho. Inicialmente ela cumpria um período de seis horas em sala de aula, depois assumiu carga horária integral e isso a sobrecarregou, ela passou  a ter crises de ansiedade e depressão. “Nem queria mais sair de casa. Trabalhar passou a ser um sério problema. Comecei um acompanhamento psiquiátrico, tomo ansiolíticos e faço terapia, isso tem me ajudado muito. Mas não consegui continuar trabalhando, pedi demissão e agora estou em outra escola”.  

 Falta de treinamento e inexperiência, também foram relatados pelo funcionário público como fatores que contribuíram para seu adoecimento

 

Leonardo* trabalha com serviços de protocolo de um órgão federal, e passou por três setores diferentes. Após quatro meses no setor de arquivos, desenvolveu ansiedade devido à carga de trabalho, atrelada à vida pessoal. “Era um setor em que a gente lidava com muito serviço, pouca gente, relativamente duas pessoas para tomar conta de muitos contratos, contratos importantes de valores muito altos e difíceis de serem gerenciados”. Falta de treinamento e inexperiência, também foram relatados pelo funcionário público como fatores que contribuíram para seu adoecimento.

*Nome alterado para preservar a identidade da fonte

 

 

De acordo com a lei Nº 13.467 , no artigo 223-C, a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são bens protegidos e inerentes à pessoa física. Segundo o coordenador de Prática Jurídica da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Aurélio Tomaz da Silva Briltes o ambiente ideal, de acordo com as leis trabalhistas e que visa a saúde do trabalhador, está baseado em três pilares. “O primeiro é a empresa, que deve cumprir com seus deveres e obrigações no quesito fornecimento e fiscalização, o segundo é o empregado, que deve cumprir o uso de equipamentos de proteção, cursos e que esteja satisfeito com isso. Por último, a harmonia, na qual haja questões relacionadas a sentimento”.  

Ambiente ideal visa a saúde do trabalhador baseado em três pilares

O que dizem os especialistas 7

O coordenador também afirma que muitas questões poderiam ser resolvidas ao longo do contrato de trabalho, e que a maioria das pessoas que procuram esse tipo de serviço tem conhecimento somente dos direitos básicos e, muitas vezes, são privadas de garantias mínimas, um exemplo simples é a assinatura da carteira de trabalho. “Dependendo da classe de trabalhadores, eles nem sabem nenhum dos seus direitos. Felizmente são poucos os casos que nós atendemos nessa situação. Essas pessoas acabam sendo vulneráveis as relações trabalhistas e acabam até como vítimas de trabalho escravo”. 

"Relações trabalhistas são relações entre pessoas e isso tem que ter sentimento". 

 

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) criado devido ao decreto nº 99.350 de 1990 é o órgão público brasileiro responsável por realizar concessões de aposentadoria, auxílio-doença, auxílio-acidente, pensão por morte e outros direitos garantidos na lei Nº 8. 213. O auxílio-doença é o benefício provisório pago às pessoas que estão inaptas a realizar seu trabalho devido à doença incapacitante ou acidente.

A Seção de Saúde do trabalhador do INSS é a divisão encarregada por gerenciar as atividades da perícia médica do serviço social e reabilitação profissional. Em Campo Grande, as agências do Coronel Antonino e do Horto Florestal são as responsáveis por realizar atendimentos, após o agendamento do solicitante que pode ser efetuado pela página e na central de atendimento, pelo telefone 135. 

A perita médica e chefe da Seção de Saúde do Trabalhador, Daniela Barbosa comenta que durante a perícia o solicitante deve trazer os documentos médicos, como atestado, laudo, exame e receita médica, para serem analisados pelo perito. “O médico vai ver os exames que a pessoa tem, os medicamentos que ela está tomando, a profissão da pessoa, vai fazer o exame físico, é como se estivesse em uma consulta para ver se ela pode ou não trabalhar com aquela doença”. O auxílio-doença é um benefício que pode ser concedido por motivos psiquiátricos e psicológicos como a depressão, estresse, esquizofrenia, transtorno bipolar, social e outros.

Daniela Barbosa explica os procedimentos do INSS
Professora Branca Maria explica a parte psicológica do adoecimento no trabalho

 

 

 

"Quando você tem muitas exigências, salários baixos e condições precárias de trabalho a responsabilidade maior é da empresa”. 

                                                                               Branca Meneses

As condições no ambiente de trabalho e as dinâmicas que o envolve, como a pressão que os funcionários sofrem, liderança e relacionamento profissional são alguns dos fatores que podem influenciar a saúde mental do trabalhador. A professora do curso de Psicologia da UFMS, Branca Maria de Meneses comenta que é necessário que a empresa cuide do funcionário e tenha a responsabilidade de verificar os setores do trabalho na qual os empregados tenham determinada sobrecarga. “A questão principal é a empresa cuidar do funcionário, principalmente não pensar que esse trabalhador é só uma máquina para gerar resultados. Quando você tem muitas exigências, salários baixos e condições precárias de trabalho a responsabilidade maior é da empresa”. 

Reações ao estresse grave, transtornos ansiosos e depressivos estão entre os casos de concessões do auxílio-doença. A professora Branca Meneses explica que algumas das doenças físicas tem relação com questões psicossomáticas, como a gastrite. “Você pode ter um relacionamento de trabalho que pressiona tanto é tão estressante que você vai acabar tendo problema de estômago, você pode ter alteração de pressão, dores de cabeça”.

Branca Maria de Meneses (Foto: Reprodução)

Causas de doença no trabalho

A estudante do curso de Educação Física da Unigran Capital, Amanda Campos comenta que trabalhou em um supermercado na região do Coronel Antonino durante um ano e meio. Nesse período entrou em depressão por causa do estresse do dia a dia, onde tinha que trabalhar oito horas por dia com um público grande e variado. Amanda Campos relata que quando realocada de setor para trabalhar com notas fiscais, passou a sentir muita pressão, o que fez piorar seu estado de saúde. Amanda Campos era responsável por quantias altas de dinheiro e sentiu o aumento de responsabilidade sobre si, além de enfrentar a falta de compreensão de seus superiores. “Precisei fazer tratamento, fiquei encostada cinco meses, usei remédios para o tratamento e só fui melhorar quando eu saí de lá, não quis mais ficar”.

Amanda Campos fala sobre o período em que trabalhou no supermercado onde adquiriu depressão

A jornada de trabalho exaustiva, temas emergenciais, cobranças e a gestão no local onde Ana* trabalha influenciaram a saúde psicológica e emocional da profissional. “As pessoas em volta de mim começaram a se preocupar, eu estava triste, muitas vezes aérea, apática, como se não estivesse naquele ambiente; demorava muito para desligar das coisas do trabalho, percebi que estava entrando em um quadro mais sério de estresse”. 

Durante um mês, Ana* trabalhou no horário das oito horas da manhã às três horas da madrugada e nos finais de semana. Hoje, ela procura sair no horário e por vezes leva para casa demandas do trabalho. “É difícil porque chega um ponto em que sair do serviço às sete da noite faz você sentir como se estivesse fazendo algo errado, passa a ser comum comer muito rápido ou ficar sem comer para terminar algo”. A funcionária relata que tomou decisões que poderiam levar a seu desligamento da empresa, como se negar a trabalhar até tarde, cobrar pausa para alimentação e solicitar pausas para descanso.

*Nome alterado para preservar a identidade da fonte

Amanda Campos (Foto: Julisandy Ferreira)

A estudante do curso de Direito da UFMS,  Gabriele Araújo trabalha desde os 16 anos. No emprego de assistente administrativa quando participava do Instituto Mirim, ela se deparou com situações incômodas no ambiente de trabalho, onde precisava lavar copos e pratos - funções imprevistas no contrato, ouvir comentários racistas e insultos que fizeram com que adoecesse. “Elas falavam diariamente que todo adolescente fedia, que tinha que aprender a trabalhar desde cedo, mas elas mesmo não trabalhavam desde cedo. Eu fiquei bem deprimida na época, inclusive quando me mandaram para outro setor, eu ainda ficava um pouco receosa para trabalhar, e achava que ia acontecer a mesma coisa”. 

 

 

 

 

A operadora de caixa, Karla Luciene da Silva Pereira entrou na empresa que prejudicou sua saúde em 2006 e ficou até 2018, quando o psiquiatra pediu seu afastamento. Karla Silva ouvia gritos constantes dos patrões . Contratada pelo supermercado como operadora de caixa, ela foi colocada em várias funções sem receber remuneração extra pelas atividades. “Eu nem gosto muito de falar que meu coração começa a bater forte, eu começo a tremer, fico nervosa, porque eu tentava demonstrar o melhor de mim e até ultrapassar o meu serviço. Eu sou operadora de caixa e atendia no caixa do mercado e da Caixa Econômica que tinha lá  dentro. Atendia na lojinha, na padaria, na cafeteria, como repositora e tinha vezes que eu ia parar na verdura. Quando eu ficava doente eles diziam que era mentira, que eu tava inventando e mesmo assim eu continuei”.
 

Diagnosticada com Tendinopatia crônica nos dois ombros, Tendinite, Bursite, Epicondilite no cotovelo, cisto sinovial na mão e suspeita de Reumatismo, Karla Silva explica que é mãe solteira e com três filhos precisava trabalhar. Ela ganhava um vale de R$ 200,00, além do salário e para isso deveria ir todos os dias do mês sem faltar. “Tinha vez que eu ia com meu braço tremendo, inchado, meu seio cresce, fica enorme, já fiz várias mamografias e não deu nada. A última que fiz aparece uma veia do meu ombro que está muito inflamada, tá travando meus dedos, os dedos do pé também estão inchados, fica umas bolinhas”.

"É muita humilhação você trabalhar muito tempo em uma empresa e eles te tratar como lixo".

- Karla Silva

 

Doente desde 2009, a operadora de caixa também reclama de dores na coluna devido ao serviço que exigia que ela ficasse sentada o tempo todo para atender, muitas vezes em cadeiras quebradas ou com defeitos. Segundo ela a coluna cervical dói e em seu último exame resultou artrose, por isso os dedos estão tortos. Há também a ocorrência da lombalgia que está relacionada a fibromialgia. 

Laudos médicos gerados pelo Centro de Especialidades Médicas (Cem), constatam que Karla Silva tem doenças psicológicas. De acordo com o psiquiatra, trata-se de um  transtorno emocional do trabalho. Segundo a operadora de caixa, ela chegou a vomitar no local de trabalho e não gosta nem de entrar no estabelecimento. No dia dois de fevereiro Karla Silva foi até o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) e saiu de afastamento, afirmou que não voltaria mais. “Cheguei lá conversei com o psicólogo que eu não dormi a noite, chorando não dormi, porque é muita humilhação você trabalhar muito tempo em uma empresa e eles te tratar como lixo. Nunca ganhei uma promoção em nada, nunca! Nada, nada, nada”.

 

 

"Essa baiana é muito lerda, olha só como essa baiana tá andando, parece  uma lesma". 

                                                                  - Karla Silva

Além das doenças desenvolvidas no local de trabalho, Karla Silva sofreu racismo e xenofobia. A patroa costumava chamá-la de “nega labrocheira”, como apelido “carinhoso”. A xenofobia também era explícita. “Eu sou baiana e diz que baiano é preguiçoso, falavam: essa baiana é muito lerda, olha só como essa baiana tá andando, parece  uma lesma. Eu ficava com raiva, tinha vez que eu chorava no fundo, aí começaram a contratar gente, porque eu não aguentava e não mandavam ninguém pra me ajudar. Em outro turno sempre mandavam alguém pra ajudar as meninas da padaria, mas se eu tivesse sozinha lá, ninguém ia me ajudar”.

A operadora de caixa argumenta que se pudesse recomendar algo aos donos do estabelecimento, cobraria respeito. “Quando um funcionário falar “olha, eu to sentindo tal coisa”, a empresa tem um médico do trabalho, ela mesmo poderia encaminhar esse funcionário para fazer exame, para descobrir. Se aquela sessão tá fazendo mal pra ele, tira o funcionário dali e coloca em outra, se não tem conversa, explica: “olha, você não tem jeito aqui, aquela função tá fazendo mal e não tem outra para você, o que você vai fazer?Você vai continuar aqui? Você vai piorar”.

Gabriele Araújo conta como era tratada em seu emprego como Mirim
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Karla Silva (Foto: Julisandy Ferreira)

Demais casos

Daniela Barbosa (Foto: Monique Faria)

Gabriele Araújo (Foto: Julisandy Ferreira)

Empresas criam ambientes propícios à saúde

Exemplo Positivo

Digix é uma empresa com filiais em 68 cidades de Mato Grosso do Sul e opera com 358 funcionários. Em 2018, a empresa foi a  única do estado a estar entre as 35 melhores para se trabalhar no Brasil, segundo o ranking da Great Place to Work (GPTW). Na sede, em Campo Grande, são 114 empregados que recebem uma série de cuidados, que inclui café da manhã, hora da fruta, massagem três vezes por semana, inglês gratuito nos intervalos de almoço ou no final do expediente, sala de descanso e sala com jogos. 

 

O método de análise de qualidade do ambiente de trabalho da Digix consiste em uma pesquisa semelhante ao modelo utilizado pela GPTW, que certifica e reconhece os melhores ambientes de trabalho em mais de 50 países. 

A analista de recursos humanos da Digix, Aline Grazielle de Jesus acredita que a melhor solução para as empresas é ouvir as necessidades dos colaboradores e visar seu bem estar dentro da empresa. “É através do que o colaborador pede e sente que a gente realiza essas ações. Tudo que a gente faz, é pela busca de melhorias com base no que que está acontecendo no mundo, mas vem muito do que os colaboradores precisam e estão sentindo necessidade. Por isso, eles ficam bem e trabalham felizes, porque a gente ouve o que eles querem para o momento”.

"O colaborador estando bem de uma forma ou de outra também traz resultado".
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Julisandy Ferreira
Monique Faria

Julisandy Ferreira

juli.look98@hotmail.com

Monique Faria

monaagfaria@gmail.com

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